Entrevista com Hayao Miyazaki

Por: Roger Ebert (Crítico de cinema para o jornal Chicago Sun-Times).

– Entrevista realizada em 12 de setembro de 2002. <Disponível on-line>
– Tradução para o português realizada por Arquivo Ghibli.

 “Eu adoro seus filmes. Eu estudo seus filmes. Eu assisto a seus filmes quando busco inspiração.”

Diz John Lasseter, diretor de “Toy Story” e “A Bug’s Life” [pt.: “Vida de Inseto“], sobre Hayao Miyazaki. Outros animadores concordam que o quieto homem japonês de cabelos grisalhos seja, possivelmente, o melhor cineasta de animação da história. Seus filmes são tão bons que forçam você a repensar sua abordagem sobre animação.

Lasseter é um dos animadores mais bem-sucedidos de Hollywood. Que ele tenha tomado seu tempo para conduzir pessoalmente o lançamento de “Spirited Away” [pt.: “A Viagem de Chihiro“] pela Walt Disney é um tributo ao artesão mais velho. O filme estreia na Sexta. Lasseter, que dirigiu a dublagem do filme para a língua inglesa, participou recentemente com Miyazaki do festival de cinema de Toronto.

“A primeiríssima exibição de ‘Spirited Away’ fora do Japão foi no estudo de animação da Pixar,” ele diz, “e fiquei impressionado com o quão incrível era o filme. A América do Norte ainda não teve uma chance de descobrir os filmes de Miyazaki. Na comunidade da animação ele é um herói, assim como é para mim.”

Miyazaki e seu parceiro do Studio Ghibli, Isao Takahata (“Grave of the Fireflies” [pt.: “Túmulo dos Vagalumes“]), criaram obras de profundidade e artisticidade incríveis; seu “Princess Mononoke” [pt.: “Princesa Mononoke“] foi um dos melhores filmes de 1999. “Spirited Away,” que ganhou o Festival de Cinema de Berlim, superou a bilheteria japonesa de “Titanic” e é o primeiro filme da história a arrecadar 200 milhões de dólares antes mesmo de estrear na América do Norte.

O novo filme, possivelmente o seu melhor, conta a história de uma garota de 10 anos e de seus pais que entram em um túnel na floresta e encontram o que parece ser um parque de diversões. Torna-se, para a garota, uma aventura ao estilo “Alice no País das Maravilhas”, povoada por feiticeiras, fantasmas, espíritos, bolas de poeira com dois olhos, um garoto prestativo, um operador de caldeiras com 8 membros, e uma aterrorizante criatura do rio cujo corpo absorveu décadas de poluição.

Quando fui conversar com Miyazaki, que tem 62 anos, lembrei a ele que em 1999 ele disse que estava para ser aposentar. Eis agora mais um filme. “Eu queria me aposentar,” ele diz, “mas a vida não é tão fácil assim. Eu queria fazer um filme especialmente para as filhas dos meus amigos. Eu abri todas as gavetas da minha cabeça e estavam todas vazias. Então cheguei à conclusão de que eu tinha que fazer um filme somente para crianças de 10 anos, então ‘Spirited Away’ é minha resposta.”

Revelador. Muitos diretores direcionam seus filmes para crianças de 10 anos e então afirmam que são para “toda a família”. Miyazaki faz um filme que fascina adultos nos festivais de cinema de Berlim, Teluride e Toronto, e então diz que é para crianças de 10 anos.

Falando por meio de um intérprete,  ele diz que Lasseter “virou um trator humano” para garantir um lançamento Americano: “Sem ele eu não acho que estaria sentado aqui.”

Miyazaki, que desconfia dos computadores, desenha pessoalmente milhares dos quadros à mão. “Nós pegamos animação em cell [feita à mão] e a digitalizamos para enriquecer o aspecto visual, mas tudo começa com a mão humana desenhando. E os padrões de cores são ditados pelos cenários de fundo. Não inventamos uma cor no computador. Se não criássemos todos estes padrões rígidos seríamos engolidos pelo turbilhão de digitalização.”

Ele ri. “Foi uma ordem absoluta do comandante.” Ele é o comandante.

Ele define desenho à mão como “2-D” e animação de computador como “3-D.” “O que chamamos de 2-D é o que desenhamos no papel para criar movimento e espaço em um pedaço de papel. O 3-D é quando você cria esse espaço dentro de um computador. Eu não acredito que a mente criativa Japonesa seja muito adequada para 3-D.”

Eu disse a Miyazaki que adoro o “movimento gratuito” de seus filmes; ao invés do movimento ser ditado pela história, algumas vezes as pessoas simplesmente ficam sentadas por um momento, ou então suspiram, ou então observam uma corrente de água, ou fazem algo a mais, não como modo de avançar a história mas simplesmente para dar um senso de tempo e lugar e quem elas são.

“Temos uma palavra para isso em Japonês,” ele diz. “Chama-se ma. Vazio. Está ali intencionalmente.”

Seria como as “palavras-almofada” que separam frases na poesia Japonesa?

“Não acho que é como a palavra-almofada.” Ele bate palmas três ou quatro vezes. “O tempo entre minhas palmas é ma. Se você só tem ação ininterrupta sem espaço algum para respirar, é só agitação, mas se você tomar um momento, então a tensão construída no filme pode expandir-se para dimensões maiores. Se você só tem tensão constante a 80 graus o tempo todo então você simplesmente fica entorpecido.”

O que ajuda a explicar o porquê dos filmes de Miyazaki serem mais cativantes e envolventes do que a ação frenética e radiante de muitas das animações Americanas. Pedi a ele que explicasse isso um pouco mais.

“As pessoas que fazem os filmes têm medo do silêncio, então elas querem remendá-lo,” ele diz. “Temem que a audiência fique entediada. Elas podem se levantar e ir pegar pipoca.”

Mas só porque é 80% intenso o tempo inteiro não significa que as crianças vão abençoá-lo(a) com sua concentração. O que realmente importa são as emoções subjacentes – que você jamais se desagarre delas.

O que meus amigos e eu temos tentando fazer desde os anos 70 é tentar acalmar um pouco as coisas; não simplesmente bombardeie-os com ruído e distração. E seguir o caminho das emoções e sentimentos das crianças na medida em que fazemos o filme. Se você mantiver-se fiel à alegria e surpresa e empatia você não precisa ter violência e você não precisa ter ação. Elas te seguirão. Este é nosso princípio.”

Ele diverte-se, ele diz, em ver grandes quantidades de animação em filmagens com atores reais como “Spider-Man.” [pt.: “O Homem Aranha“]

“De certo modo agora, filmagens com atores reais estão tornando-se parte de toda essa sopa chamada animação. Animação tornou-se uma palavra que abrange tantas coisas, e minha animação é somente um pequeno, minúsculo ponto em um canto. É o bastante para mim.”

É o bastante para mim, também.

Deixe um comentário